19/04/2012
Edson Silva*
"Somos todos índios". Com esse título o
Jornal do Commercio (Recife) publicou no sábado 12/04/2012 uma matéria
no encarte Galerajc, que é destinado ao público infanto-juvenil. O
conteúdo da referida matéria, expressa, salvo raríssimas exceções, como a
imprensa (e não somente a escrita!) trata a temática indígena, mais
enfaticamente nas proximidades ou no Dia do índio: com desinformações,
equívocos e preconceitos. Até mesmo reconhecidos e prestigiados
periódicos, como a revista Ciência Hoje das crianças, publicada pela
SBPC, em sua edição nº 25 de abril/2012, traz na capa e no seu interior
ao abordar as línguas indígenas faladas no Brasil, caricaturas grotescas
que reproduzem e reafirmam estereótipos sobre e contra os índios.
Como
realizar discussões sobre a temática indígena com a seriedade
necessária? Ao abordar o assunto, como fugir do exótico e apresentar,
discutir informações críticas? Essa é uma questão fundamental quando os
meios de comunicações e ainda os livros didáticos se referem aos índios
em textos e imagens.
Para uma visão crítica da citada matéria acima
publicada no jornal, começamos pelo título infeliz: "Somos todos
brasileiros", onde novamente a antiga ideia e discursos da mestiçagem,
subtendendo-se a mistura de "raças", com a História pensada como tudo
colocado em um caldeirão que formou o Brasil. E assim ignorando,
mascarando, as especificidades das diferentes e diversas expressões
socioculturais indígenas existentes no país.
O texto é acompanhado
de fotografias com crianças indígenas, sem nenhuma referência sobre do
que se trata o momento da foto, qual povo indígena e onde habita. A
informação que "os antropólogos acham que hoje só existem 300 mil índios
no País", e por demais equivocada! Além dos "antropólogos" não fazerem
tal afirmação, o Censo do IBGE/2010 contabilizou, embora seja o número
bastante discutível pelos pesquisadores, a população indígena no Brasil
em 753 mil indivíduos sendo em Pernambuco 53 mil índios, em 12 povos que
habitam no Agreste e Sertão do estado.
No mesmo texto ainda onde se
lê que em 1500 foi o ano do "Descobrimento" do Brasil, há uma ênfase na
redução da população indígena resultado dos "conflitos com os brancos",
por meio da escravização, catequese e interesse pelas terras indígenas.
Ao acentuar tal perspectiva é reforçada apenas uma suposta dominação
colonial hegemônica diante de povos colonizados passivos. Dizendo de
outra forma, uma ênfase no discurso preconceituoso sobre os índios como
vítimas dos males da colonização, desprezando-se as ações indivíduas e
coletivas indígenas na reformulação da dominação colonial em diversos
contextos sociohistoricos, como comprovam as pesquisas.
Além disso,
tal ideia também colabora para uma ideia de que os índios incapazes
estão condenados implicitamente ao desaparecimento, o que desmentindo
pelas próprias estimativas oficiais que afirmam o crescimento
surpreendente da população indígena no Brasil nos últimos anos.
Ao
tratar os índios como "tribos" o texto remete a uma concepção superada
de hierarquização sociológica onde se diferenciavam nações, povos, etc.,
cabendo as "tribos" o último degrau de uma suposta escala de evolução
sociocultural, pensada do ponto de vista Ocidental ou mais precisamente
eurocêntrica. Ou seja, existem "tribos" na Europa moderna?!
Ao
nomearmos povos indígenas, não se trata apenas de uma questão meramente
semântica, porém o reconhecimento de grupos humanos que possuem história
e expressões socioculturais específicas na História do Brasil, e não
fora dela, se tratando ainda de coletividades que possuem na maioria das
vezes uma História muito anterior ao próprio Brasil, ao próprio Estado
brasileiro.
A ênfase, como aparece no texto em questão, na nossa
herança cultural indígena seja por meio do "artesanato" (porque não Arte
Indígena?!), nas "lendas" (por que não mitos indígenas?!), músicas,
etc., etc., remete ao assinalado exotismo cultural: uma imagem do índio
como um ser alienígena de quem se quer superficialmente conhecer a
‘cultura do índio' em seus apetrechos materiais visíveis, que
seleciona-se me grande parte das vezes do ponto de vista consumista. Um
consumo do éxótioc! Desprezando-se, ignorando-se uma discussão
aprofundada da importância das expressões das sociodiversidades, dos
saberes, as formas de ser e das organizações sociopolíticas indígenas,
para a história da humanidade, do país.
As concepções aqui
assinaladas e questionadas são muito comuns na grande maioria dos textos
jornalísticos em geral e também em publicações especializadas. O que
revela abordagens que não são baseadas em pesquisas e estudos
especializados sobre o tema.
Os povos indígenas inegavelmente
ocuparam o cenário sociopolítico em nosso país e a partir de suas
mobilizações conquistaram nos últimos anos o (re)conhecimento, o
respeito e a garantia a seus direitos específicos e diferenciados.
Contribuindo com isso nas discussões sobre e as diferenças
socioculturais, para se repensar em um novo desenho do Brasil em suas
diversidades e pluralidades. Ou melhor, em sua sociodiversidades.
Esse
reconhecimento exige também outras posturas da sociedade e medidas das
autoridades governamentais em ouvir dos diferentes sujeitos sociais as
necessidades de novas políticas públicas que reconheça, respeite e
garantam essas diferenças. A Lei 11.645/2008 determinou a inclusão do
ensino da história e culturas indígenas nos currículos escolares, ainda
que careça de maiores definições, objetivou a superação dessa lacuna na
formação escolar, a medida legal contribui para o reconhecimento e a
inclusão das diferenças étnicas dos povos indígenas, para se repensar o
país, a História do Brasil.
Os textos publicados, sejam
jornalísticos, sejam em revistas especializadas, nos livros didáticos,
ou ainda no ambiente acadêmico, devem estar sintonizados com as demandas
sociais. Caso contrário, permanecerão reproduzindo, perpetuando antigas
desinformações, equívocos e preconceitos sobre os povos indígenas.
* Presidente da ANPUH-PE (2011-2012).
Doutor em História Social pela UNICAMP. Professor no Centro de
Educação/Col. de Aplicação da UFPE, leciona no Programa de Pós-Graduação
em História/UFPE e no Programa de Pós-Graduação em História/UFCG
(Campina Grande/PB). Com vários artigos publicados sobre a história
indígena e pesquisas que desenvolve junto ao povo Xukuru do Ororubá
(Pesqueira e Poção/PE). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9552532754817586